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Manuel Oliveira Lopes foi um dos sobreviventes do grande naufrágio de 2 de dezembro de 1947, cuja efeméride se assinalou ontem. Precisamente no dia da morte aos 96 anos do antigo pescador de Matosinhos, conhecido na comunidade piscatória por ‘Cheta’, 74 anos depois daquele trágico dia marcado pela morte de 152 pescadores, num naufrágio que deixou 71 viúvas e 152 órfãos.
Uma das quatro traineiras que naufragou, a D. Manuel, acabou por encalhar no Cabedelo, em Vila Nova de Gaia, e outras duas, a Rosa Faustino e a Maria Miguel, terão naufragado no mar da Aguda, já perto de Leixões.
Por Eugénio Queirós
Matosinhos – O Grande Naufrágio de 1947
«O dia 1 de Dezembro de 1947 nasceu encoberto e sombrio embora não chovesse nem houvesse grande vento. As traineiras começaram a chegar mas o peixe que traziam era escasso. A meio da manhã, no entanto, entra em Leixões uma traineira carregada de sardinha. Os mestres das embarcações, perspectivando sucesso, decidiram então chamar as suas tripulações e mandar aprovisionar os seus barcos para outra saída.
Durante a tarde, com bom tempo, saíram de Leixões 103 traineiras para a faina. Rumaram a Sul, em direcção ao mar da Figueira da Foz.
Passadas algumas horas, subitamente, o tempo muda. As embarcações vêem-se envolvidas num imenso temporal. As ondas cavam abismos no mar e elevam-se, qual montanhas, ameaçando destruir a frota. O vento roda para NW e o ar arrefece cada vez mais. Cai a noite, escura, sem lua visível. Nuvens carregadas de chuva tapam o céu. Os ventos manifestam-se em rajadas ciclónicas. O mar brame cavernosamente, como que exigindo o sacrifício de inocentes. Os motores e máquinas das traineiras são esforçados ao máximo, em busca de porto de abrigo.
Já noite, com a luz da manhã ainda longe, em terra, sentem-se murmúrios, soluços incontidos, pessoas a correr em direcção ao areal da praia nova, em Matosinhos. São as mulheres e os filhos, os pais, a família em busca dos seus. Sabiam que algo ia mal. Era grande a angústia e o desespero.
Na cabeça do molhe sul do porto de Leixões as pessoas apinham-se na esperança de ver entrar as traineiras. Ao longe vislumbram-se luzes de navegação; eram barcos que procuram conseguir encontrar um caminho para chegar a bom porto.
Começam a chegar, com muitas dificuldades, as primeiras traineiras que se conseguem salvar. As notícias não são boas.
Foram avistadas 4 traineiras a navegar muito perto da costa, entre a Aguda e o Senhor da Pedra (Vila Nova de Gaia), em situação aflitiva. Eram a “D.Manuel”, a “Rosa Faustino”, a “São Salvador” e a “Maria Miguel”. Alguns mestres de traineiras, com as suas sirenes, com sinais, até com gritos, tentaram orientá-los para conseguirem sair daquele perigoso local, mas a violência do temporal impediu-os de serem bem sucedidos.
O ambiente estava envolto num pesado e sinistro luto. As pessoas gritam sem se verem umas às outras, e correm, desnorteadas, de um lado para outro, sem objectivo definido.
Decorrido algum tempo chegam as fatídicas notícias: as 4 traineiras em dificuldade naufragaram. Em outras, homens caíram ao mar, desaparecendo para sempre.
Faleceram 152 tripulantes.
Pais, filhos, irmãos foram assim subtraídos à sua família, levando a dor e a desolação a centenas de lares humildes de pescadores, deixando 71 viúvas e 152 órfãos.
O luto instalou-se em Matosinhos, em Espinho, na Murtosa, na Póvoa de Varzim e em Vila do Conde.»
Por Nuno Marques Garrido – MarForum, 21 de Maio de 2007.