“Retomar era sinal que tínhamos vencido o nosso maior adversário esta época”

Domingos Barros Treinador do Leça FC
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Em entrevista Domingos Barros, o técnico do Leça Futebol Clube que voltou a colocar o emblema de Leça da Palmeira perto das grandes competições nacionais. Domingos Barros é um homem da casa, foi jogador e agora treinador, tendo como grande feito o título de Campeão da Divisão Elite AF Porto e, consequentemente, a subida ao Campeonato de Portugal.
Domingo Barros é um jovem técnico que tem o Leça no coração


11 PERGUNTAS RÁPIDAS (uma ou duas palavras)

Treinador de referência? Vilas Boas/Vítor Oliveira
O que te chateia? Falsidade
Cidade de eleição? Leça da Palmeira
Os amigos são? Tudo
Livro preferido? Homem Revoltado (Albert Camus)
A maior conquista? Família/Amigos
Um sonho? Voltar a abraçar
Personalidade de referência? Charlie Chaplin
O que te motiva? As pessoas
O amor para ti é? Cumplicidade
Complexo é? O Futebol


Foste um jogador de referência no Leça FC agora és o treinador. O que significa para ti o Leça FC?
Domingos Barros: Falar do Leça FC nunca é fácil, explicar esse sentimento todo…então nem se fala!
Ser do Leça é ter Raça, Amor e Paixão!! É uma carga emocional de gerações, são várias lembranças de criança, é sentir orgulho na tua cidade e numa História de 108 anos.
Só tenho que agradecer por ter nascido em berço Leceiro.

Quando “arrumaste as botas” já sabias que querias ser treinador?
Sempre tive a vontade de treinar, mas no momento exato em que deixei de jogar isso não me passou pela cabeça.
Estive 3 anos como diretor do clube e na época 2015/2016 a 3 jogos de terminar o campeonato, mister Nuno Costa saiu para abraçar um projeto como adjunto na 1 liga, nesse momento o presidente pediu para orientar nesses 3 jogos e terminar a época.
Pelo momento em que a equipa estava, admito que tive algum receio, pois já não vencíamos há 8 jogos na Elite, mas passadas algumas horas e depois de falar com algumas pessoas, percebi que era a hora, que poderia ser uma oportunidade única e que tinha que me esforçar, pois, se queria ser um dia treinador de uma equipa profissional e, principalmente, fazer história no clube do coração esta poderia ser a altura certa.

Domingos Barros Treinador do Leça FC

Como defines e afirmas a tua liderança para o plantel e para os adeptos?
Gosto de conquistar os jogadores, pelo respeito, cumplicidade e fazê-los sentir que aconteça o que acontecer, estaremos sempre juntos.
Sem chicotes, sem demagogias e com sentimento de justiça, mesmo sabendo que nunca seremos justos com todos, o importante é sermos verdadeiros.
Não tenho qualquer tipo de problema em ter conversas individuais com jogadores, em gerir expetativas individuais ou em permitir ao jogador que ele conheça as suas possibilidades de intervenção na equipa. Porque ele tem que estar à espera do que tu possas dizer ou da forma como vais reagir. Caso contrário, se for surpreendido, pode ter interpretações que tu não queres. Quando tenho que falar, falo sem qualquer problema. Quando tenho que brincar no início de um treino, faço-o sem problema. Mas quando é para trabalhar e focar, é mesmo para isso mesmo.
Poderei vir a ser ou não, um grande treinador. Mas há coisas de que nunca me vão acusar: Falta de profissionalismo, de organização ou de compromisso com o clube e acima de tudo de Paixão pela causa. A partir daí, as pessoas podem tirar as suas próprias ilações. Desde o princípio que me agarrei aos jogadores, fizemos com que os eles se agarrassem ao Leça e principalmente, que os adeptos voltassem a sonhar e só depois de conquistares tudo isto é que tens de ter a capacidade de perceber, que são as experiências diárias que vão construindo aquilo que é a tua liderança.

Tens conseguido algumas proezas no comando técnico do Leça. Para ti quais são os fatores para o sucesso?
O principal fator são os jogadores, nós treinadores se temos sucesso, devemos todos os êxitos aos atletas.
Acho que também ajuda ser um apaixonado pelo jogo e pelo fenómeno futebol, gosto de controlar o maior número de fatores à minha volta, tentar controlar todos os fatores intrínsecos da minha equipa e tentar antecipar, condicionar todos os fatores extrínsecos que possam existir, pois esses nós treinadores não somos capazes de controlar. A partir daí tenho as minhas ideias e a minha filosofia. Gosto que a equipa esteja 100% focada em tudo o que temos que fazer. Tudo o que fazemos dentro de campo é estudado, gostamos de ter tudo definido e justificado. O trabalho do treinador é muito mais que o treino! É gerir tudo o que está à volta, desde elementos da equipa técnica a jogadores, passando por diretores, adeptos e ter a capacidade para olhar e puxar valores. Não é só ao fim de semana ir para o banco. Há coisas que aprendemos e corrigimos diariamente. Hoje em dia o treinador trabalha várias horas por dia. Há coisas do dia a dia que tu podes aproveitar para o dia de competição e nós vivemos muito assim, tem sido a nossa matriz, nestes 4 anos.

O Leça está na segunda época no Campeonato de Portugal. Quais as grandes diferenças para a Divisão Elite AF Porto?
Existe uma diferença muito significativa, entre a Elite e o CP, apesar de as equipas técnicas trabalharem muito bem nos distritais, a principal diferença não está no método de treino, mas sim na intensidade, dinâmica e qualidade dos atletas.
O choque da passagem do distrital para o nacional, é muito grande a nível de todos os contextos, tanto desportivo, como organizacional.
Costumo dizer em tom de brincadeira, não se sobe um degrau, mas sim uma escadaria.

Nunca assumiste claramente o favoritismo da subida. Mas, antes da interrupção, estavas a 4 pontos dos lugares de play off de subida, achas que era um sonho concretizável?
Na planificação desta época o objetivo estava bem definido, a manutenção.
Sofremos muito na época passada, mas com todo o mérito conseguimos a permanência.
Juntamos mais experiência ao grupo, tanto a nível de idade, como de atletas jovens, mas já com épocas de CP.
Na verdade, desde a primeira jornada que estivemos quase sempre nos 3 primeiros lugares, caímos para 4 nas últimas 2 jornadas, contudo estamos a 4 pontos dos lugares de playoff e não podemos fugir da responsabilidade que a nossa competência nos deixou.
Não sendo objetivo inicial, neste momento, é mais que um sonho concretizável, é legítimo termos aspirações de playoff.

Domingos Barros Treinador do Leça FC

O que falta ao Leça FC para se assumir candidato e chegar às ligas profissionais?
O clube está há alguns anos com vários problemas de tesouraria, fruto de erros do passado, que não permite ter um suporte estrutural em termos de organização para planear uma subida aos profissionais.
Independentemente, dessas debilidades e dificuldades administrativas, quem está no treino e no campo, tem ambição de fazer o melhor sempre e se o nosso melhor for uma posição de subida, não será por nós que isso não acontecerá!!

És um homem da gestão desportiva. Como olhas para a forma de gestão e estruturação dos clubes?
Cada vez se trabalha melhor a esse nível e partindo um pouco da pergunta anterior, é essencial um modelo de gestão para chegar às ligas profissionais. Ao longo dos últimos anos, o futebol tem-se desenvolvido e modificado de forma a ser encarado como um negócio lucrativo para as partes envolvidas: clubes, jogadores, empresários, patrocinadores, sócios e cidades. Hoje em dia, o futebol é muito mais que uma bola, há toda uma indústria por trás de um jogo.
Quando o assunto é o futebol, no nosso país toda a gente opina, há sempre entendidos em todos os cantos, todos nascemos a querer ser jogadores de futebol, a bola é o primeiro brinquedo. São várias ações que demonstram a nossa paixão pelo fenómeno.
Por tudo isto penso que um dos maiores erros na gestão dos clubes, é geri-lo como somente de uma empresa se tratasse.
Apesar de serem empresas, são organizações que dependem de uma bola a bater no poste e entrar ou bater no poste e sair, independentemente do trabalho feito para trás, temos que gerir emoções, contextos e culturas.
Quem conseguir ter um equilíbrio num processo de gestão entre números e emoções, estará mais perto do sucesso.
Mas, o melhor para a gestão de um clube é e será sempre a bola entrar na baliza.

Como consideras que a paragem poderá afetar toda esta temporada do Leça e na preparação da próxima?
Está época ficará sempre condicionada por este momento.
Estamos na 4ª semana desde o último jogo, nas primeiras 2 semanas, passamos planos de treino aos atletas com o objetivo de trabalhar força, manter níveis musculares e fazer trabalho de resistência. Não nos é possível, fazer que o jogador tenha relação com a bola, para executar diferentes exercícios mais direcionados na técnica do futebol,
Desse modo, libertamos os atletas, para efetuarem um treino livre adequado à necessidade individual, responsabilizando cada um pelo seu treino.
Esta paragem terá as suas consequências e no futuro, possivelmente vai haver a necessidade de realizar uma mini pré-época.
Nós temos um tipo de trabalho que fazemos diariamente e, atualmente, não conseguimos fazê-lo. Isto vai provocar um bocado de ansiedade, nervosismo e perda na forma física.
Não sabemos como vai ser o desfecho desta época, mas por toda esta indefinição o início da próxima já está condicionado.

Qual é para ti o desfecho que a Federação Portuguesa de Futebol deverá seguir para o que falta cumprir da temporada?
Estamos a falar de uma situação excecional de um monstro incontrolável, que não nos deixa fazer aquilo que mais gostamos a todos os níveis.
O ideal será terminar aquilo que falta jogar, mas temos que ter noção que tudo é uma incerteza neste momento, tudo mesmo, não falo só do regresso dos campeonatos, falo do regresso da normalidade às vidas de todos nós.
Qualquer das medidas que seja tomada, não agradará a todos os intervenientes, acredito que dentro dos próprios clubes, há desejos e vontades diferentes.
Volto a frisar, o meu desejo é jogar o que falta, por todos os motivos, os desportivos e os sociais, pois o retomar era sinal que tínhamos vencido o nosso maior adversário esta época.

Domingos Barros Treinador do Leça FC

Quais os aspetos negativos e positivos do modelo competitivo do Campeonato de Portugal, na tua opinião?
De positivo devemos salientar a proximidade das equipas de cada série, salvo uma ou outra situação e as ilhas claro, que permite jogar vários derbys concelhios e regionais.
De negativo, o formato do campeonato, em 72 equipas descem 20 e sobem somente 2 numa disputa em Playoff, não me parece justo que numa prova de maratona, a subida no final seja disputada por eliminatórias, onde uma época fantástica, em que acabas em primeiro na tua série com vários pontos de vantagem, pode ser perdida num jogo mau.
Na minha opinião, o ideal era voltar aos quadros competitivos, que tínhamos há 20 anos, 3 séries em que o 1º classificado sobe direto.
De salientar, que a este nível a Federação está a ouvir os clubes e com vontade de reformular, é sempre importante sentir que quem decide está atenta.

As tuas equipas apresentam um futebol ofensivo. Descreve resumidamente a tua ideia e filosofia de jogo e o que procuras incutir às tuas equipas?
Temos as nossas ideias, vamos alterando algumas coisas, quando achamos necessário. A nossa tática é sempre aquela que nos parece estar mais preparada para alcançar o sucesso, em detrimento de estruturas, damos mais ênfase às dinâmicas e fazer com que os jogadores percebam, o que o jogo está a pedir em determinado momento e que sinta que cada ação sua é decisiva para o desfecho final.
Não penso que sejamos corajosos por jogarmos um estilo de futebol ofensivo, ou que somos menos corajosos por jogarmos no contra-ataque ou de forma mais organizada. Temos de respeitar toda as ideias, todas são válidas.
Temos de expressar e desenvolver o nosso plano com base no que somos, para conseguirmos gerir a nossa equipa. Mas quando pressionamos muito, as pessoas consideram essa equipa corajosa. Penso que isso é questionável.
Todos as equipas técnicas possuem o seu estilo próprio e o mais importante é ser consistente no que fazemos. É escusado jogar num determinado estilo se não acreditamos nele, se não nos fizer sorrir e não nos deixar satisfeitos com o futebol. As coisas podem sempre mudar, mas o mais importante é nunca perdermos o nosso rumo.
O coletivo tem sempre de se superiorizar ao individual, contudo acho que devemos sempre potenciar muito a individualidade, porque em competição faz toda a diferença. Temos de perceber e gerir a individualidade dentro do coletivo. A individualidade não pode, em momento algum, sobre-por-se ao coletivo, mas é um fator determinante dentro do mesmo. E é um pouco dentro disso que nós trabalhamos. A individualidade faz a diferença, quer seja o central que consegue anular o craque adversário, quer seja o nosso avançado a fazer golo de um momento para o outro. Isso é trabalho! Há que ter a capacidade de perceber a melhor forma de retirar rendimento do jogador, no que pode ou não fazer e que influencia o jogo.

Qual a influência dos empresários no Campeonato de Portugal? Interferem com o teu trabalho?
Os empresários têm um espaço importante, são mais um agente no fenómeno.
Uma coisa é olharmos para o negócio há 15 ou 20 anos, em que certa pessoa dizia que era representante de um determinado jogador e fazia a sua promoção. Hoje em dia, estando o mercado muito mais complexo, sendo os clubes muito mais estruturados na forma como são dirigidos, é natural que os agentes estabeleçam relações com os clubes de futebol e não sejam só representantes de jogadores.
As coisas mudaram bastante. Por um lado, a quantidade de agentes e intermediários no mercado é incomparavelmente superior. Cresce quase diariamente. Assim como, é significativo o aumento da informação, que hoje corre de uma forma muito mais veloz, é muito maior em termos de quantidade, até através das redes sociais, a forma como hoje em dia são feitos julgamentos sobre determinados tipos de jogadores. Depois há muito mais ferramentas.
Pessoalmente, nunca tive nenhum tipo de problema com qualquer empresário, muito pelo contrário, tenho uma ótima relação com todos que já tive contacto.
Acredito que haja bons e maus profissionais, como em todas as áreas.
São figuras essenciais no futebol de hoje.

A nível pessoal quais são as tuas grandes ambições enquanto treinador de futebol?
Tenho o objetivo de chegar ao profissionalismo, mas não a qualquer custo, não tenho nada traçado. Se chegar da forma tão exponencial como até agora, será mais um desafio e vou tentar cumprir. Mas não tenho essa questão de querer tudo já, até porque, tenho uma ambição moderada. Hoje trabalho assim, amanhã vou tentar trabalhar melhor e assim sucessivamente. Depois, as pessoas vão, ou não, querer apostar em mim para patamares mais altos, em função dos objetivos cumpridos. Sinto que se tiver que ficar num patamar amador que irei fazê-lo, se tiver condições que eu considere que sejam de sucesso, onde as pessoas estão envolvidas para o mesmo objetivo. Aí, qualquer projeto credível será analisado. Mas não tenho aquela vontade de chegar o mais depressa possível.
Penso que os treinadores são a face visível de um projeto muito mais amplo que envolve muitas pessoas. Se não tivermos pessoas fantásticas à nossa volta, que partilham a mesma abordagem e colocam o mesmo esforço no trabalho, é muito improvável que um treinador tenha sucesso na sua missão, que é muito difícil.

Domingos Barros Treinador do Leça FC

Como vês o futebol em Portugal na sua globalidade? O que deverá ser feito para que o futebol português se equipare com as principais ligas europeias?
A nível de matéria prima, continuamos a formar os melhores jogadores.
Todos os anos temos atletas com muita qualidade, nas melhores equipas da Europa.
A nossa seleção continua a ter um leque vasto de escolhas, cheio de potencial.
Relativamente à nossa liga, teve uma evolução nas chamadas equipas pequenas, todas as equipas têm qualidade, jogam futebol muito positivo.
Já os 3 grandes, apesar da maioria das épocas continuarem a ser superiores aos restantes, têm visto um Braga e um Vitória aproximarem-se, devido ao grande trabalho feito nestas estruturas, mas também ao facto de principalmente Porto e Benfica, por razões distintas, terem planteis de qualidade inferior de há 4/5 anos para cá!
Parece-me utópico, neste momento, querermos chegar ao nível das principais ligas europeias, o nosso país a nível económico não pode rivalizar com os maiores países da Europa, isso refletese em todas a áreas e o futebol não é exceção.
Muitas vezes, conseguimos diminuir essas diferenças devido a uma conjugação de fatores e fruto da competência dos jogadores, treinadores, diretores, observadores e empresários que temos em Portugal.
Aliás, se fizermos um exercício mental facilmente vemos que nestas áreas temos os melhores recursos do Mundo.
Somos a 6 liga Europeia e dificilmente podemos almejar algo mais.

Para a próxima época irás ficar no comando técnico do Leça FC?
Estou em casa, fiz-me treinador no Leça, trabalho no clube do meu coração, por vezes não é fácil separar a razão da paixão, há um lado afetivo que me liga bastante ao Leça.
Todos sabemos que um dia vou sair, que os ciclos acabam.
Contudo, neste momento, não me passa mais nada pela cabeça se não estar a trabalhar aqui. Vou continuar a trabalhar com muita certeza, e empenho, pois quando este terror acabar, temos um objetivo para conquistar.
De uma coisa tenho a certeza, o treinador pode sair, mas o Domingos continuará a ser o Leceiro de sempre, a vibrar a cada vitória e a chorar nas derrotas.

Para finalizar qual a mensagem gostarias de deixar aos teus atletas e adeptos do FC Leça.
Gostaria de deixar uma palavra de incentivo aos meus atletas, aos adeptos do Leça e à generalidade da nossa população, numa fase em que enfrentamos um inimigo da pior espécie, nunca antes visto, traiçoeiro, subtil, invisível. Envio um abraço distante de encorajamento, esperando que nos levantemos novamente, mais fortes que antes, porque não tenho dúvidas que será assim.
Deixar uma palavra a todos os profissionais da área da saúde e a todos aqueles que têm que sair de casa para trabalhar, sei que estão empenhados no combate a este flagelo, a vocês o meu agradecimento. Obrigado.
Aos excecionais atletas agradecer por o esforço e desempenho que tiveram até aqui e que se preparem, pois temos 9 batalhas para ganhar e escrever história!
Aos adeptos, esperamos continuar a dar motivos de alegria para sorrirem, depois desta tempestade.
Continuem a acreditar em nós!!

Entrevistador: Luís Leal
Entrevistado: Domingos Barros
Fotos: Domingos Barros; Leça FC; O Jogo
In Complexo.pt


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