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É um dos economistas portugueses com maior reconhecimento dentro e fora de portas – e é certamente o mais jovem.
Aos 17 anos trocou Leça da Palmeira por Londres. Três anos depois, rumou aos EUA.
Aos 20 anos, já estava a tirar o doutoramento em Harvard e, rapidamente, tornou-se professor de mestrados e doutoramentos numa das melhores universidades do mundo.
Hoje, dá aulas aos economistas do FMI e conselhos aos bancos centrais pelo mundo fora. É um apaixonado pelo ténis, para o qual tinha “zero talento”, e que lhe ensinou uma das lições mais importantes da sua vida: perseverar através do falhanço.
De adolescente a doutorado por Harvard em sete anos
Sente-se bem português, mas já passou mais tempo de vida lá fora do que cá dentro. Ricardo Reis, o professor que ensina economia aos americanos (e aos europeus, a banqueiros centrais e ao Fundo Monetário Internacional…), nasceu em Leça da Palmeira em 1978. Foi lá que passou a infância – “protegida, mas ao mesmo tempo com liberdade e independência, como só é possível em terras pequenas” – e estudou até ao final do liceu.
Foi também lá que se iniciou no ténis, desporto que o marcaria para sempre e lhe ensinou “uma das mais valiosas lições” que ainda hoje emprega na sua vida. “Era péssimo a jogar ténis, mas gostava imenso”, conta entre gargalhadas. “Ao contrário da escola, que era muito simples [tinha média de 20 valores], tinha zero talento para aquilo, perdia muito e assim à grande. Mas adorava e dedicava-me imenso e acabei por ser federado e ter ‘ranking’. Consegui-o, completamente, através de suor e lágrimas e aprendi uma lição de vida importantíssima: perseverar através do falhanço.”
Filho de um engenheiro civil que trabalhava no porto de Leixões e de uma professora de Matemática, Ricardo rumava ao Porto para ter aulas de inglês no British Council. Um dia, no intervalo, conheceu uma adida cultural da embaixada britânica que lhe mudou a vida. Desafiou-o, a ele e a outros alunos, a candidatarem-se a faculdades no Reino Unido, dizendo-lhes que os ajudaria em todo o processo. Assim fez.
Quando recebeu a carta da London School of Economics (LSE) a dizer que tinha sido aceite parou finalmente para pensar a sério no que estava prestes a fazer. Optou pelo risco e pela aventura de tirar o curso lá fora, não só porque ia para uma das mais prestigiadas faculdades de Economia da Europa, mas também porque o curso era de apenas três anos, enquanto em Portugal, na altura, era de cinco. Fez as malas e rumou a Londres. Tinha 17 anos.
A LSE tinha outra característica a que rapidamente Ricardo viria a atribuir muita importância: fomentava os estágios em várias empresas. “O curso em Inglaterra é muito intenso durante oito meses do ano, depois há três ou quatro meses de Verão reservados propositadamente para estágios nas empresas financeiras”, explica. Os estágios eram remunerados, diminuindo o fardo financeiro sobre os pais, que acabaram por vê-lo praticamente a autofinanciar-se ao longo da faculdade. Mas, sobretudo, permitiram-lhe perceber o que queria fazer da vida.
Estagiou na banca, por exemplo, no BPI, e não ficou fascinado – “as pessoas eram óptimas, o banco também, mas não era o que queria fazer”. No último Verão, antes de terminar o curso, conseguiu um estágio como assessor de um economista do Banco de Inglaterra, a quem ajudou a fazer investigação. “Gostei muito do processo e percebi que o passo seguinte tinha de ser, necessariamente, o doutoramento.”
Tinha 20 anos e uma invejável média de licenciatura na melhor escola da Europa. Candidatou-se aos seis melhores programas de doutoramento do mundo e foi aceite em todos. Optou por Harvard e rumou ao outro lado do Atlântico, tornando-se o mais novo aluno do doutoramento em Economia. “Era o mais novo da turma, os meus colegas tinham todos entre 23 e 28 anos. Por um lado, porque faço anos em Setembro e sempre fui o mais novo das minhas turmas. E depois porque a licenciatura tinha sido de apenas três anos e, como me tinha corrido muito bem, tinha saltado o mestrado.”
Sob a sombra de Alan Greenspan
Em Harvard conheceu aquele que é o seu maior mentor, Gregory Mankiw, economista reconhecido pela sua investigação na área do “novo-keynesianismo” e que foi um dos principais conselheiros do ex-Presidente norte-americano George W. Bush.
Os anos do doutoramento obrigaram a alguns sacrifícios, como o namoro à distância com Mafalda, a jovem portuguesa que conheceu na licenciatura em Londres e com quem viria a casar. Mas também foram “tempos fascinantes”, que confirmaram a ideia que já vinha ganhando forma: queria continuar ligado à academia. Em 2004, arranjou emprego em Princeton, como professor auxiliar. Três anos depois, trocou Princeton pela Universidade de Columbia, que lhe ofereceu o cargo de professor catedrático – a primeira e maior promoção da carreira, que lhe permitiu “saltar” mais de dez anos no que é o percurso normal de um professor universitário nos Estados Unidos.
Foram várias as razões que levaram a Universidade de Columbia a fazer uma aposta tão arrojada. Uma delas terá certamente a ver com o artigo que Ricardo escreveu com o colega e também mentor Alan Blinder, no final de 2005, onde analisou o mandato de Alan Greenspan à frente da Reserva Federal norte-americana. O texto causou grande impacto no mundo académico e, mais tarde, também na imprensa internacional, que começava a olhar com maior interesse para temas relacionados com os mercados e a política monetária.
Os ecos do outro lado do Atlântico acabaram por chegar a Portugal, onde os jornais quiseram saber quem era aquele economista português a ensinar os americanos. Rapidamente lhe começaram a chover convites para escrever e, em 2007, estreou-se nas colunas de opinião, precisamente no Diário Económico. “Profissionalmente, era a coisa errada a fazer, devia concentrar-me na carreira académica, para a qual não acrescentava nada escrever na imprensa nacional.” Porque aceitou, então? “Já ouvi pessoas a dizer isto e depois são mal interpretadas”, diz, referindo-se ao ex-ministro das Finanças, Vítor Gaspar, “mas a verdade é que há uma certa dívida à pátria. Gosto muito do meu país e achei que era a forma mais coordenada com a minha carreira para dar algum contributo. As pessoas em Portugal às vezes não interpretam bem isto, mas é verdade e quem é emigrante sente muito isso”, reforça.
Foi um ano de estreias: em Columbia, na imprensa e na paternidade. Mas acabou por ser um ano “muito difícil”, porque António, o primeiro filho, nasceu com vários problemas de saúde. “Passou muito tempo nos cuidados intensivos e, sendo o sistema americano de saúde como é, fomos à falência”, recorda, com humor. Os cerca de dois milhões de dólares gastos em hospitais e tratamento – em boa parte suportados pelo seguro – foram bem empregues e hoje reserva elogios ao sistema americano, que lhe deu “poder para decidir os melhores tratamentos, ao contrário do que acontece em Portugal, “onde é um comité que toma as decisões, com base nos custos para o Estado”.
A previsão errada que “nunca aconteceu”
É directo e não tem papas na língua e é assim que se expressa nas suas colunas de opinião, que nem sempre foram bem recebidas. Em 2008, depois de escrever um texto onde alertava para os riscos de uma crise em Portugal e considerava que o país estava estagnado desde 2000, sentiu pela primeira vez o potencial impacto negativo do espaço público.
“Houve muita gente a ficar chateada com o que escrevi e vários ‘bloggers’ e colunistas, mais ligados à esquerda, foram buscar uma frase de uma entrevista minha, fora de contexto, dizendo que eu era um palerma que tinha previsto que a crise do ‘subprime’ não ia durar mais do que duas semanas”, conta. “Sou um palerma por muitas outras coisas, mas essa previsão é mentira, nunca a fiz”, explica, sempre bem-humorado. “Perguntavam-me o que se estava a passar nos mercados e disse que havia duas possibilidades: uma era ser um mero distúrbio, do qual daí a duas semanas ninguém falaria, a outra era ser o início de problemas graves no sistema financeiro, que poderiam levar a uma crise muito profunda.”
Ainda hoje a frase o persegue, mas não o incomoda – “quem vai à guerra dá e leva”. Além disso, “todos os economistas erram e já errei várias vezes em previsões que fiz. Essa, simplesmente, não foi uma delas”.
Confusões à parte, a presença na imprensa nacional manteve-se constante, mas ganhou especial fôlego em 2010, com a crise europeia, primeiro, e o resgate a Portugal, depois. “Sabia muito do que se passava em Portugal, porque as questões relacionadas com choques macroeconómicos acabam por ser uma das minhas áreas de especialidade. A coluna evoluiu naturalmente para esses temas nessa altura.”
Homem de rotinas sem ‘hobbies’ nem vícios
Lá fora, alheios a tudo isto, banqueiros centrais, académicos e líderes de instituições internacionais reconheciam-lhe cada vez mais mérito e as propostas de colaboração começaram a surgir em catadupa. Rapidamente começou a viajar até ao Brasil, para dar aulas a banqueiros; a ser presença regular na sede do FMI, para falar das novidades das correntes macroeconómicas; e a aconselhar os governadores de Reservas Federais de diferentes Estados norte-americanos.
As tarefas são tantas que é preciso ser metódico e organizado. Acorda cedo, por volta das 6h30m, para preparar os dois filhos e levá-los à escola – a António, hoje com oito anos, juntou-se entretanto Francisco, com cinco. Chega cedo à faculdade, onde reserva algumas horas da manhã, sem quaisquer interrupções, para trabalhar na sua investigação. Almoça quase sempre enquanto trabalha – “como uma sandes enquanto vejo apresentações de alunos e colegas e comento o seu trabalho – e a tarde é passada a dar aulas – “e, às vezes, ao telefone com jornalistas”. Chega a casa por volta das 19 horas, para jantar com os filhos e os pôr na cama. E guarda o final da noite para fazer a gestão da agenda e responder a emails.
Não tem vícios – a não ser o quadrado ou dois de chocolate que come todos os dias – e não consegue ter ‘hobbies’. “Não tenho tempo”. Então é só trabalho, trabalho, trabalho? “Não é que não gostasse de os ter, mas prefiro passar tempo com a família. Nesta altura, o meu ‘hobby’ é passar tempo com os meus filhos”. Nem desporto? Nem ténis, pelo menos? “Tentei manter, mas deixei de jogar. Tento correr dia sim, dia não, mas isso é manutenção de saúde e bem-estar.”
Ah! E futebol é futebol, mesmo que nos Estados Unidos se chame ‘soccer’. “Isso sim, acompanho imenso. Sou fã do Porto. E até sou mais fã agora que estou fora, porque vejo os jogos pelos jogos e escapa-me tudo o resto: os escândalos, as contratações, as arbitragens, etc.”
O bom filho à casa torna
Está mais do que convertido aos Estados Unidos, onde “é muito fácil viver, porque a burocracia é muito ligeira e não se perdem horas em repartições de finanças e a tratar da água e da luz”. Além disso, é um país “muito estimulante” em termos profissionais, porque o “sucesso é muitíssimo bem premiado e o insucesso não”. Mas não deixa de ter saudades de Portugal, onde há “maior sentimento de solidariedade entre as pessoas e maior interacção entre diferentes gerações e classes sociais”.
Boa parte da família está cá, o que agrava as saudades. É por isso, aliás, que faz sempre férias em Portugal. Primeiro em Lisboa, depois no Porto, para que os filhos possam estar com os avós maternos e paternos – Mafalda, a mulher, é alfacinha.
É precisamente para estar mais perto da família que, nesta altura, pondera o regresso à Europa. Os próximos 12 meses vão ser passados em Londres, a dar aulas na LSE, a faculdade onde tudo começou, e como conselheiro do governador do Banco de Inglaterra. Mas tem oferta da LSE para ficar de forma permanente – tem até propostas de outras universidades europeias de topo – e é algo que não descarta. “Até Dezembro ou Janeiro, temos essa decisão muito importante para tomarmos em família”, sublinha.
Senhor ministro ou senhor governador?
A academia é a sua vida e gosta muito do que faz – “e sou bom naquilo que faço”, garante -, por isso vai ser difícil separar-se da faculdade. Mas não descarta uma experiência diferente, até porque uma das lições que dá sempre aos seus alunos é que “é preciso arriscar e experimentar várias coisas, para se descobrir aquilo de que se gosta”.
Tem uma vantagem: na sua área de especialidade, a macroeconomia e a economia monetária, há uma ligação muito próxima entre o que é a academia e a prática em bancos centrais e organizações como o FMI. “Sem ter de deixar de ser académico, não seria invulgar ter alguma experiência nesses sítios”, diz. “Já pensei nisso, aliás.”
Também não é invulgar ver académicos a passar por cargos governativos. Por exemplo, numa primeira fase, o actual primeiro-ministro, Pedro Passos Coelho, apostou em dois – Vítor Gaspar e Álvaro Santos Pereira – para duas das pastas mais importantes do Governo: as Finanças e a Economia. No futuro, poderemos ter o ministro Ricardo Reis? “Não ambiciono, mas também não rejeito. Tendo em conta a minha área, e apesar da minha dedicação à carreira académica, não é de excluir uma passagem por cargos de política macroeconómica, que fossem consistentes com o meu trajecto académico e profissional.” Não especifica quais, mas garante que “são muito poucos, dois ou três, no máximo”.
In Económico
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